segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Capeia raiana

Voltávamos ao Seminário no último dia de setembro e os primeiros dias eram passados a refazer os laços de fraternidade que nos uniam. Mas havia um grupo especialmente desleixado nessa tarefa: os raianos do Sabugal. Enquanto os alunos da Cova da Beira, da Gardunha e do Zêzere mineiro rapidamente entravam em velocidade de cruzeiro, os raianos tinham primeiro uma tarefa muito mais importante: contar uns aos outros como fora a capeia nas suas terras.
Juntavam-se em grupos numerosos e cada um contava os episódios mais extraordinários que tinham vivido ou a que haviam assistido. «Fui a Espanha e ajudei a passar as vacas para este lado, sempre ao lado delas.» ou «Os homens baixaram muito o forcão e a vaca saltou para cima e ficou presa nos paus.»
Nós, os leigos, andávamos em redor do grupo, a ouvir. Algum atirava uma provocação «Tourear com vacas, ah! ah! ah!», mas só lhe dispensavam o olhar de desprezo e dó que se reserva aos pobres ignorantes.
Bem podíamos nós, os de São Vicente, ainda mal refeitos das Festas de Verão, falar-lhes da grandiosidade da procissão do Santo Cristo ou do fogo de artifício, que eles pouco ligariam. Perante tanto fervor, nem tentávamos, receosos de cair no ridículo.
Por isso, quando há meses o médico Sanches Pires (o Zé Manel Patana da Lageosa) apresentou, em Castelo Branco, onde vive, um livro sobre as capeias da sua terra, eu não resisti e fiquei a compreender melhor o entusiasmo dos meus colegas. Soube que já foi apresentado na sua terá natal, que há outros livros sobre as capeias de outras terras raianas e que a capeia é agora património imaterial nacional.
Há dias recebi o Contacto e, num artigo do Zé Amaro, sobre os 50 anos da ordenação do Padre Vaz, lá vem uma foto da capeia como um dos acontecimentos mais marcantes da sua vida. ATÉ O PADRE VAZ, um homem tão acima das simples coisas terrenas! (No artigo, percebi que ele tem, sempre teve, os pés bem assentes na terra.)
Adolescente inquieto com tanto mundo desconhecido, um dia perguntei a um colega raiano o que era afinal a fronteira, o que havia lá a marcá-la. Respondeu-me que nada, o gado pastava dos dois lados e iam às festas uns dos outros. Então percebi que a fronteira era apenas uma linha nos mapas dos livros, uma coisa que só existia na cabeça de quem mandava.


José Teodoro Prata

Sem comentários:

Enviar um comentário

O seu comentário é muito importante.
Obrigado