domingo, 10 de outubro de 2010

Heterodoxias 2

Diz o meu amigo Nicolau Marques comentando o “Heterodoxias” que “o abandono de alguma ritualidade (...) empobreceu a prática e a identidade religiosas”. Não sei se ele se refere ao número de praticantes se se refere à prática (celebrações, oração...) em si mesma, bem como “a identidade religiosa”. Independentemente do alcance das suas palavras parece-me que a questão da prática tem sido o grande problema (católicos praticantes, católicos não-praticantes) da Igreja, devido ao facto de ela se ter contentado, de há séculos a esta parte, com uma prática desencarnada da vida e ter descurado a formação dos baptizados e a exigência que daí lhes advém de viverem um compromisso efectivo com o mundo. Com este mundo que lhes toca povoar, viver e construir.
Estou de acordo que uma visão muito intimista, individualista – tipo: eu cá tenho a minha religião, e o meu deus com o qual falo directamente – é uma afronta à proposta do HBA. Mas também não adianta nada cultivar um formalismo excessivo colocando nele a salvação, que depois não acontece e se revela completamente estéril. Seguir o mestre tem de dar frutos... (pelos frutos os conhecereis) e não adianta andarmos uma vida inteira a coleccionar genuflexões e vénias, que depois desembocam numa atitude farisaica e nada cristã, quando surge o teste da vida real, através da exigência do amor, do perdão, da misericórdia, da compaixão e da cordialidade.
Quanto à “dispersão das ovelhas”, todos sabemos que foi o que sempre aconteceu. E quem já foi pastor (como eu) sabe que há sempre alguma que se tresmalha (fica para trás, vai muito à frente, guina para a esquerda... para longe das outras). É dessa que o HBA vai à procura, pois ele disse que deixava as 99 que já estavam juntas, boas cumpridoras, preparadas para o ritual, e ía à procura da outra. Esta atitude é mesmo de “tontos”... E daí advém outra questão: seríamos nós capazes de fazer o mesmo? De arriscar perder 99 para salvar uma? Tenho a certeza que o HBA não devia ser muito nas contas. Ou tinha outra tabuada!
Sobre a “identidade religiosa” só temos uma: o amor aos irmãos, que é o mesmo que o amor a Deus. A das certidões, diplomas e símbolos já foi. Agora é a vida, enquanto tradução de tudo aquilo em que acreditamos, que é a nossa identidade!
Um abraço ao Nicolau com um obrigado pelo comentário. Aqui pretendi somente precisar um pouco mais o que penso sobre estas questões. Espero não chatear muito... Jj-a

3 comentários:

  1. Olha Zé o melhor que consegui encontrar para o acrónimo HBA foi Huston Bar Association!
    Aparte deste meu desaire, gosto da ideia da ovelha tresmalhada, primeiro porque adoro quando me procuram e porque o sabor do encontro é único. Depois, porque estar junto no rebanho me dá uma sensação de imobilidade hermética do tipo: "fiquem aqui quietinhos enquanto vou à procura do outro". Imaginem a nossa tertúlia toda juntinha!... Sem ovelhas tresmalhadas!... Como é que eu posso explicar isto? Se assim fosse, não estaríamos para aqui a partilhar as nossas ideias peregrinas, pois todos partilharíamos de um só Espírito e, a nossa condição de homem, não me parece essa! É bem mais a de ovelha tresmalhada! Às vezes formamos rebanhos de ovelhas tresmalhadas!

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  2. Refiro-me a todos esses aspectos, caro Zé. Múltiplos factores (que qualquer caloiro de Socilogia elencará) contribuiram para isso, obviamente. Mas se a afirmamção de que nas últimas décadas se assistiu a uma descristianização da nossa sociedade me parece problemática (os critérios evangélicos não se aplicarão assim tão linearmente...), a progressiva desvalorização, ou abandono, de gestos, palavras e observâncias, ou a sua substituição por práticas litúrgicas mais vernáculas, simplificadas e mais próximas de cada pessoa e do seu quatidiano - visando, é certo, a sua integração num corpo menos formal - terão tido o efeito perverso de desagragar e potenciar a individualidade: não só o intemporal e mais distante do quotidiano prende, como o que deslumbra e maravilha atrai e cria laços de identidade partilhada.

    Abraço.

    Nicolau

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  3. Pena é, caro Nicolau, que os "....gestos, palavras e observâncias", não passem disso mesmo, gestos, palavras e observâncias, distantes dos critérios evangélicos que deviam prender-nos e deslumbra-nos, como bem dizes.
    Não basta querer dar uma carga aos "...gestos, palavras e observâncias" a coberto de rituais. É necessário deixar que a mensagem principal se sublime e se des-prenda para o coração dos homens: a mensagem do Amor!

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